Inglaterra: o impacto do café na rotina e na política
Quando pensamos na Inglaterra logo relacionamos o país ao chá e não ao café, não é mesmo?
Mas, nem sempre foi assim. Nos séculos XVI e XVII os britânicos apreciavam tanto, mais tanto o café que no ano de 1672, Londres tinha mais de 600 casas de café.
Como começou?
A bebida chegou na Inglaterra pelas rotas mediterrâneas dos muçulmanos.
A rainha Elizabeth I abriu relações diplomáticas com o Império Otomano estabelecendo diversas trocas comerciais e acordos de navegação marítima. Este comércio permitiu que produtos como o chá da Ásia, o café e o chocolate entrassem na Inglaterra.
O primeiro registro histórico que se tem de ingleses bebendo café é de 1637 na cidade de Oxford.
Um turco apresentou a bebida na universidade e, rapidamente, o café ficou popular entre os estudantes e professores que, inclusive, estabeleceram um clube de café.
Foi em Oxford, também, que a primeira casa de café foi aberta, por um judeu chamado Jacob, em 1650.
A casa se chamava “Angel” e, segundo o historiador Brian William Cowan no livro “The Social Life of Coffee”, contribuiu enormemente para difundir a cultura do café no país.
A “Queen´s Lane Coffee House”, foi aberta em 1654 e é a casa de café mais antiga da Inglaterra, ainda em funcionamento. Vale a pena conferir e beber um cafezinho quando estiver por lá, né?!
Penny Universities
Foi em Oxford que o termo “penny universities” surgiu para se falar das casas de café.
Afinal, por um penny qualquer homem podia entrar na casa, beber um café, ler os jornais disponíveis e participar das discussões e conversas que lá se davam.
As casas de café em Oxford ofereciam uma forma alternativa de aprendizagem, para além da estrutura proporcionada pela academia. Eram nesses espaços, também, que repórteres, conhecidos como “runners” (“corredores”) apareciam para anunciar as notícias mais fresquinhas.
Para visualizar como eram esses ambientes, imagine pessoas recitando poemas, mostrando seus artigos escritos e debatendo sobre as notícias do jornal. Eram espaços de grande interação, produção e troca intelectual.
Em Londres, a primeira casa de café foi aberta em 1652 pelo grego Pasqua Rosée que sabia como torrar e preparar um café turco e o apresentou à clientes e amigos.
Historiadores contam que ele vendia mais de 600 xícaras de café por dia!
A imagem abaixo mostra a primeira propaganda de café, feita por ele. Ela menciona, é claro, as diversas propriedades medicinais do café e seu maravilhoso sabor. As propagandas não mudaram tanto neste tempo todo, não é mesmo?
O café e as mudanças na rotina
A introdução do café como bebida para os ingleses trouxe muitas mudanças em sua rotina.
Imagine que antes do café, o vinho e a cerveja eram as principais bebidas apreciadas pelos britânicos no café da manhã. A violência, o alcoolismo e a falta de atenção no trabalho, digamos, era bastante comum!
Com o novo hábito de beber café, os ingleses passaram a beber menos álcool, a produzir mais, a interagir mais e, claro, a conversar sobre os assuntos políticos.
Os pubs, locais para se escapar da vida, foram dando lugar às casas de café, locais para falar sobre o que estava se passando na vida e discutindo como a vida deveria ser, viraram febre na época.
Justamente por isso, em 1675, o rei Charles II escreveu uma proclamação decidindo que todas as casas de café fossem fechadas. Entretanto, os donos das casas de café argumentaram e a proclamação foi extinta. Mas teve seu efeito: iniciou-se o declínio das casas de café na Inglaterra.
Petição das mulheres contra o café
E não foi apenas a majestade que as casas de café incomodaram. Apesar de algumas casas terem funcionárias mulheres, e de que algumas mulheres foram, inclusive, proprietárias de casas de café (como Anne Rochford e Moll King).
Qualquer outra mulher que fosse vista em uma casa de café não era considerada “respeitável”.
As mulheres eram divididas entre “respeitáveis” ou não e segregadas, neste sentido.
As que queriam ser “respeitáveis” não podiam acessar à vida pública e deveriam se manter no ambiente doméstico sob a “proteção” do pai ou do marido. O livro “A história do caminhar” de Rebbeca Solnit, aprofunda este assunto, e a participação das mulheres historicamente nas casas de café ainda carece de muita pesquisa e gera muito debate entre os historiadores. Existe um artigo que aprofunda este assunto.
Com isto, em 1674, as mulheres apresentaram uma petição pedindo o fechamento das casas de café e seu consumo, que elas chamaram de “uma bebida que seca e enfraquece”, reclamando da virilidade masculina após o uso.
O texto chega a ser muito engraçado e pode ser lido na íntegra, em inglês. Há quem defenda que o texto, na verdade, não foi escrito por mulheres e sim, por homens, em uma produção literária, justamente, em uma casa de café. Verdade ou não, como resposta, os homens também retornaram com uma petição, claro, defendendo o café, que pode ser lida na íntegra, em inglês também.
Declínio das casas de café antigas e hoje
Com a mesma rapidez que as casas de café mudaram a rotina dos britânicos, elas tiveram seu declínio e fecharam em menos de cem anos.
Mas o café continuou sendo apreciado pelos ingleses, tanto, que seu consumo no país só cresce.
O consumo de cafés especiais, por exemplo, teve um crescimento de 24% no último ano, segundo dados da Euromonitor.
Se interessou sobre a história das casas de café? Para saber mais existe um livro completo disponível online, em inglês.
E você leitor, sabia desta história do café na Inglaterra? Conta pra gente!
Fontes:
English History Fiction Authors
Leia também:
Café pelo Mundo – Itália: café como tradição e excelência
Café pelo Mundo – Turquia: o futuro em uma xícara de café
Café pelo Mundo – Áustria: os cafés que fizeram história
Carol Lemos – jornalista, mudou-se de São Paulo para Alto Paraíso, onde encontra inspiração para escrever e cuidar dos pequenos Uirá Alecrim e Dhyan Eté. Carol escreve semanalmente para o blog do Grão Gourmet. E-mail: carolinalcoimbra@gmail.com.
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