Japão: o berço dos equipamentos para preparar cafés especiais
O café pelo mundo de hoje foi até o Japão, um país pioneiro no consumo de cafés especiais!
Ele é o quarto país que mais importa grãos de cafés brasileiros. E foi lá que surgiram os métodos de preparo de cafés especiais mais usados nas cafeterias do mundo.
Como chegou?
É curioso pensar na relação entre o Japão e o café, já que, mais comumente, a imagem que temos é do tradicional uso do chá.
Você ficará surpreso, então, em saber que o Japão ocupa hoje a terceira colocação entre os maiores importadores de café do mundo!
O termo para café em japonês pelo katakana (escrita utilizada para palavras estrangeiras) é “kouhii” (コ ー ヒ ー), originária da palavra holandesa “koffie”. Mas, como a própria bebida foi entrando na cultura, ela também ganhou sua própria forma japonesa (kanji): 珈 琲.
Embarcação japonesa de 1634
Essa relação do Japão com o café começou com a chegada dos barcos holandeses no porto de Dejima, em Nagasaki no final do século XVIII, no período Edo (períodos ou eras é uma forma que os japoneses contam o tempo – os períodos se iniciam ou terminam com a ascensão ou morte de um imperador – mais comumente – ou por desastres e eventos históricos).
A princípio, o uso do café era feito apenas pelos holandeses e disponível para governantes, tradutores e donos de negócios.
Neste período estavam também restritas as comunicações dos japoneses com países estrangeiros por meio da política de isolamento (conhecida por sakoku), o que dificultava ainda mais o acesso da população ao café e outros itens de importação.
Aos poucos, o café foi migrando pelo Japão, sendo adotado medicinalmente próximo a assentamentos estrangeiros e usado como estimulante por prostitutas que viviam em Nagasaki.
No período Meiji (1868-1912) houve uma maior abertura do governo japonês que mudou as políticas de relações estrangeiras e, com isso, mais pessoas tiveram acesso ao café.
A primeira casa de café surgiu neste período em Ueno, Toquio, no ano de 1888, com o nome de Kahiichakan, criada e mantida por Tei Ei –kei (Nishimura Tsurukichi). Ele havia ganhado o gosto pelo café quando estudou na Universidade de Yale, em Nova York, e depois, em Londres, frequentou diversas casas de café (quando estas estavam em ascensão na Inglaterra).
Inspirada nessas casas, a Kahiichakan tinha dois andares e oferecia um ambiente bem leve e descontraído para os homens frequentarem e trocarem ideias. Atualmente, no local onde um dia foi a casa de café, existe uma estátua em homenagem a Nishimura.
Café Paulista
Foi durante o período Taisyo (1912-1926) que as casas de café se popularizaram no Japão.
No ano de 1911 três casas de café foram abertas no mesmo bairro, o Ginza, em Tóquio.
A primeira foi a “Printemps”, inspirada nos cafés parisienses aberta por artistas plásticos. Depois, a Café Lion e a Café Paulista surgiram, sendo que esta terceira, criada por Ryo Mizuno, como o próprio nome aponta, trabalhava com grãos vindos do Brasil.
Ryo Mizuno, em 1908, levara os primeiros imigrantes japoneses ao Brasil, a bordo do Kasato Maru. Os japoneses foram trabalhar nas fazendas de café no interior de São Paulo e Mizuno recebeu do governo a doação de sacas de café a fim de serem vendidas no Japão, fazendo, assim, propaganda do produto.
Esse acordo fez com que Mizuno tivesse um grande abastecimento de café por, pelo menos, uma década e conseguisse abrir diversas filiais do Café Paulista em todo o Japão, popularizando o café no país.
Quando um grande terremoto atingiu Tóquio, em 1923, o café foi destruído. Ele reabriu a casa somente muito tempo depois, em 1969, e em 1970, a casa se mudou para o local que ainda hoje se encontra, em uma das principais ruas de Ginza.
Conta-se que John Lennon e Yoko Ono frequentavam o café. Quando estiver em Tóquio, vale dar uma passadinha, não?
Cafeteria Café Paulista em Ginza, Tóquio
Para mais detalhes, escute (em inglês), a cronologia da história do café no Japão.
Imigração Japonesa no Brasil
Imigrantes japoneses aprendendo português em seu caminho para o Brasil (1908)
A imigração japonesa no Brasil está intimamente ligada ao café.
Foram mais de 700 pessoas que embarcaram no Kasato Maru, primeiro navio que trouxe imigrantes japoneses ao Brasil, em 1908, justamente para trabalhar nas fazendas de café no interior paulista.
O Japão estava passando por um intenso projeto de modernização durante a Era Meiji, que fez com que milhares de camponeses perdessem suas terras e fossem para as grandes cidades procurar empregos. A super população e a fome fez com que o governo, a partir de 1880, iniciasse uma campanha de emigração da população por meio de acordo com diversos países.
Cartaz que incentivava a emigração japonesa para o Brasil
Enquanto isso, no Brasil, com a expansão das plantações de café, a “abolição” da escravatura, faltava mão de obra na zona rural paulista no final do século XIX e no início do século XX.
Em 1906, Ryu Mizuno, presidente da Kokoku Shokumin Kaisha (Companhia Imperial de Emigração) visitou o Brasil e trabalhou experimentalmente na Fazenda Tibiriçá. Em novembro de 1907, firmou um acordo com o Estado de São Paulo para trazer 3.000 imigrantes japoneses para trabalhar como agricultores nas fazendas de café.
Não foi fácil para os japoneses. As condições de trabalho eram análogas a de trabalho escravo, não havia dormitórios nem alimentos suficientes. Em pouco tempo, muitos japoneses tentavam sair das fazendas, sem serem permitidos pelos fazendeiros, que alegavam que tinham de cumprir o contrato de trabalho.
Muitos fugiram e começaram suas próprias roças, com muitas dificuldades. Gravado em 2008, o documentário Os Japoneses no Vale do Ribeira e Sudoeste Paulista traz fotos e registros dessa época.
Atualmente, o Brasil têm a maior população japonesa fora do Japão.

A relação do Brasil com o Japão e o café ainda continua intensa.
O Brasil ainda é o maior exportador de café em grãos verdes para o Japão, com 107,4 mil toneladas (em 2017), cerca de 1,8 milhões de sacas de 60 kg, que é mais do que o dobro do volume da Colômbia, o segundo colocado. É também o maior exportador de café solúvel, com 4.106 toneladas, volume quase sete vez superior ao da Indonésia, o segundo colocado.
Kissaten

Aos poucos, o café foi se integrando à cultura japonesa, especialmente pós Segunda Guerra Mundial, com os japoneses mais abertos à cultura ocidental. O chá também abriu espaço para o café, já que foi em sua casa, que ele também se estabeleceu.
A kissaten, tradicional casa de chá japonesa, passou a servir também café e, café de qualidade.
De fato, as kissaten dominaram o mercado de café antes das grandes empresas chegarem. Se você quisesse beber café, era nelas que precisava ir.
Imagine que 90% dos cafés importados eram servidos nessas casas!

Com o passar dos anos, as kissaten se caracterizaram em dois tipos principais:
Uma com foco em entreter os clientes (foram estas que originaram as kissaten com foco em mangá, por exemplo);
E outra focada em tornar perfeita a arte de preparar nosso amado cafezinho dando atenção em importar os melhores grãos e descobrir os melhores métodos de preparo.
Diversas torras e formas de preparação (típicas da atenção japonesa ao detalhe) foram desenvolvidas nessas casas.
Hoje, por conta das grandes como Starbucks Coffee, as kissaten têm quase sumido das ruas do Japão. Mas, ainda é possível encontra-las e é lá, querido leitor, que, com certeza, você vai apreciar os melhores café no Japão e descobrir formas orientais de prepará-lo.
Equipamentos japoneses no mercado mundial
Foram justamente nas kissatens que os equipamentos japoneses foram desenvolvidos, pois exigiam métodos melhores para extrair adequadamente seus grãos de café.
As empresas Hario e Kalita foram as principais responsáveis por colocar os equipamentos japoneses de preparo de café no mapa.

Foram mais de 90 anos de experimentação e prática de preparo de café para chegar no ponto de hoje, em que cafés de todo mundo têm preferido e utilizado métodos de preparo japoneses.
Em 1925, o Coffee Siphon Co. lançou o primeiro sifão no Japão. O método japonês popular de gotejamento “Nel drip” também foi usado nas kissatens para mostrar sua forma artesanal de preparar café. E, em 1973, a mesma empresa criou o Kono, que juntou o “Nel Drip” com a eficiência dos filtros de papel.
Já o método Kalita Wave, apresenta um suporte para filtro que possui base alargada e três furinhos, o que uniformiza e agiliza a extração. Os filtros de papel que se encaixam nele têm a forma de ondinhas, o que contribui para uma extração mais homogênea e uma maior consistência entre xícaras. É possível encontrar algumas casas no Brasil que utilizam esta opção de método na preparação de café como a Isso é Café em São Paulo e o Café Secreto no Rio de Janeiro.
Para ver como preparar um café na Hario V60 veja nosso post.

Cafés especiais

Os japoneses, na atualidade, estão aficionados por cafés especiais, especialmente agora que estão chamando de Terceira Onda do Café no Japão. Se quiser saber mais sobre as ondas do café, leia esse texto.
Um exemplo é a loja sediada na Califórnia “Blue Bottle Coffee”. A abertura da loja, em 2015, em Kiyosumi-shirakawa, Tóquio, precisou ter seguranças organizando as filas de duração de duas horas de pessoas interessadas em apreciar os cafés especiais. Esta é uma demanda que, de fato, tem se solidificado no país, de muitas pessoas interessadas na origem, qualidade do grão e formas de preparo.
Café é cultura
A artista japonesa Arai Yoko, que tocou no Tokyo Coffee Festival de verão neste ano é apaixonada por café e faz músicas tendo nossa querida bebida como tema. Quer conferir? No vídeo dá até pra sentir o cheirinho de café.
Se você se interessou em saber mais sobre a história do café no Japão, vale a pena conferir o livro Coffee Life in Japan, de 2012, disponível em inglês, da antropóloga Marry White. Ela conta 130 anos da cultura japonesa relacionada ao café, em muitas histórias!

Se você for visitar o Japão, anote na sua lista de passeios cinco dicas de casas de cafés para serem visitadas.
Se animou de ir ao outro lado do mundo tomar um cafezinho? Eu sim! E você? Comente!
Fontes:
Leia também:
Café pelo Mundo – Itália: café como tradição e excelência
Café pelo Mundo – Turquia: o futuro em uma xícara de café
Café pelo Mundo – Áustria: os cafés que fizeram história
Café pelo Mundo – Inglaterra: o impacto do café na rotina e na política
Café pelo Mundo – Alemanha: berço de música a coadores de café
Carol Lemos – jornalista, mudou-se de São Paulo para Alto Paraíso, onde encontra inspiração para escrever e cuidar dos pequenos Uirá Alecrim e Dhyan Eté. Carol escreve semanalmente para o blog do Grão Gourmet. E-mail: carolinalcoimbra@gmail.com.
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Formidável! Café é cultura. Parabéns pelo documentário sobre o assunto Café!
Obrigada Jorge! Continue acompanhando nosso blog 😉 Um abraço, Renata