Aqui jaz minha infância
Quando alguém diz que cheiro de café lembra infância ou casa de vó, parece frase feita ou lugar comum. De certo, todos têm um lugar comum para relembrar. Eu também tenho.
Nos anos 1980, minha avó paterna, mineira de Santa Bárbara, tinha um pequeno cafezal no enorme quintal de sua casa, na cidadezinha de Estrela do Norte, oeste paulista. Era a riqueza dos netos. Nos pés de café eu e meus primos construíamos nossas casinhas, cidades e até outros países. As folhas verdes eram o nosso dinheiro – dólares, of course! Um sexto sentido de criança, que mal imaginava o valor da iguaria como commodity.
O nosso mundo era ali, no meio daqueles pés de café que, na época, perto de nós, tinham a altura de um arranha-céu. Depois de colhido, disputávamos para ver quem iria mexê-lo na grande lona estendida sobre a grama. Ficávamos agoniados quando víamos uma nuvem se aproximando, querendo trazer chuva. Mas a cereja do bolo era a moagem. Depois de torrado – sim, vovó era responsável por todo o processo – fazíamos fila para moer os grãos. Mais do que qualquer outro cheiro, é o café moído ali na hora o meu lugar comum, o meu cheiro de infância e de casa de vó. Os tempos mudaram e o quintal da minha avó também.
Hoje, o cafezal jaz sob uma área para churrasco, toda concretada e, com ele, jazem os anos mais felizes da minha vida. Dona Maria guarda até hoje o velho torrador e o disputado moinho, enferrujados e empoeirados. Quando bate a saudade é só abrir a porta do quartinho de bagunça e ficar uns minutinhos olhando para eles. Eu juro, dá até para sentir aquele cheiro de café moído, vindo direto da minha infância com meus primos nos anos 1980.
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Viviane Vieira – Jornalista, fotógrafa e apaixonada por café
Se você também tem uma história bacana sobre café e gostaria de vê-la publicada, mande seu conto para contato@graogourmet.com.
Os contos selecionados serão presenteados com um brinde especial.
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muito bom
Sim, uma boa, sadia e aromática infância “na roça”!!!
Lindo texto, a cena foi tão clara, por alguns segundos pensei realmente ter sentido o cheiro do café e do quintal.
Lindo texto!
Obrigada Ana!
Estas cenas também fizeram parte da minha infância! Senti voltando no tempo… Muito lindo o conto!
Essa é a ideia com os contos cafeinados Marisa, contados com o coração!
Um dos melhores contos que já li aqui. Conseguiu trazer minha infância de volta enquanto o lia. Parabéns!
Que bom Michela 😉
É muito bom podermos contar com uma página para lembranças de infância.Gostei e se Deus me der o bom tempo farei um conto de memórias.Parabéns Vivi.
Muito obrigada Maurina, continue acompanhando nossos contos cafeinados…
Filha, fico feliz por ter compartilhado destas lembranças e tenho certeza que a vó Maria ficará imensamente orgulhosa quando ler este conto. O cafezinho era realmente muuuuuito bom. Parabéns!!!
Cara Viviane, excelente o seu conto/crônica em sonoro clima de memória. Sim,pois que me traz u’a lembrança bem viva e sentida da minha juventura,também… Sou Sertanêjo e minha Família por parte de Mãe sempre teve terras ,para a árdua batalha de tirar o sustento naquela aridez entre a Caatinga de Caapoeiruçú e o Cerradão. Nada de caminhonetes e roupas de ‘marca’,além dum bom paramento e gibão de couro – que ainda tenho e uso!…- e um bardôto bom de passo para encarar a solina atrás de gado o dia inteirinho. Sim,’dar campo’ todos os dias,desde bem pequeno,depois de um bom copázio de café-com-leite,mais uma fationa de cuscuz com manteiga,um ‘pão-de-lenha’,e… Seguindo o ‘dia de campo’ até a tardinha,quando então voltávamos todos,liderados pelo meu velho e rijo Vô João Ônço,para o alpendrão da casona da fazenda e minha Vó-terceira,Don’Anna do Krenguenhén já nos trazia toalhas e sabão ,para a limpêsa das mãos e os ‘apreparos’ já à no9ssa espera sobre a mêsa bem forrada,pratos cheios de fatias de bôlo de fubá de milho-cabôclo e umas lasquitas de carne,para u’a mistura deliciosa,para acompanhar o café,servido em caneca de ‘lôiça’ grossa,via de regra com açúcar mascavo ou demerára – ao gosto de cada um… – e êsse ,de grão colhido na estação anterior e alí mesmo torrado à maneira ‘tabarôa’,que tanto me agradava. Os torrões do café eram qual ‘cocadas-queimadas’,um bolachão bem craquento,sêco,e de-li-cioso,que posto sobre a língua e derretidos na saliva… Huuuummmm!… Deus,meu!… Mas,depois de pilado e peneirado era guardado em caixotes de madeira neutra,tipo cedro ou umburana,para que não ficasse úmido e fermentado ‘perdesse a razão’. Sim,o café do meu tempo ‘tinha razão de gôsto’,que era a sua ‘marca’ de região,tempo,torra e mais e mais que se aprendia ao cheirá-lo ou por uma pitada sob a língua para sentir a acidez ou ‘o macio de gôsto’ do café daquela temporada.Café,ao menos para nós,em Família,era uma questão de ‘ciência de gôsto’!… Não era,apenas, beber e … Não!… Sabía-se muito de um café,pelo seu cheiro ou ‘pêso de gôsto’.De qual fazenda ou região,quem o torrara,de qual melhor safra,se em época de muita chuva ou de sêca em excesso,e tal e coisa e lôiza… Seu texto me fez lembrar de certo dia em que um político chatérrimo,’_a caça de votos’,foi escrachado impiedosamente,e,claro,perdeu seus possíveis eleitores pel simples fato de fazer um elogio errado a um café errado,que lhe fora dado de propósito,para que êle errasse na avaliação e ,com isso,’abrisse a porteira’ para os nada ‘encabrestados’ fossem embora da sua urna no dia de votação,pelo simples fato de :”…cumádji Duninha,êita café bom,mas,gorduroso,êsse lá da encosta,héin?!…Ácido demais!…Quero mais açúcar…”. E ela,calma e afiadíssima: “…vá buscar na casa de sua mãe,dotô!…Essa disgrâma vêi dilá!… Ela nos obrigou a lhe servir – mandou trazer de lá!… – pois era o do seu gôsto ‘dérna de minín’!…Aquí em casa, o café é outro!… Bem melhor que essa porqueira…”… Calou-se e saiu para o seu infindável périplo eleitoreiro. Perdeu os votos e quase perde as velhas amizades,tudo por conta de ‘um café errado de gôsto’…
Quero mais,dos seus contos-/crônicas,com gôsto de café bom e gostoso!… Parabéns!…