Café frio
Os raios de sol entravam pela pequena fresta da janela. Ao olhar para o lado notei que ele também acordara.
– Dormiu bem? — perguntou se espreguiçando.
– Sim —menti – E você?
– Uhum.— E piscou. Era mentira também.
Eu não conseguira dormir direito e virava toda hora de um lado pro outro. Ele seguia o movimento. As pernas em vez de se entrelaçarem se repeliam, e os braços não mais procuravam o outro durante a noite. A conchinha até aconteceu, mas foi metálica, fria. A forma não era mais suficiente para nos fazer encaixar.
Ele se inclinou em minha direção e me fitou por um minuto. O olhar amistoso trazia também dúvida. Ameaçou descer a alça da minha blusa com a mão.
– Melhor eu ir. Tenho que passar em casa antes de trabalhar .— disse rapidamente. Ele me olhou surpreso. Eu não era de negar fogo de manhã.
– Tudo bem. — disse levantando da cama. Quer alguma coisa antes de sair?
– Você tem comida? — perguntei admirada.
– Hmm não. — Isso não havia mudado — Mas tenho café. Vou passar.
Assenti com a cabeça e ele saiu do quarto. Me troquei o mais lento que consegui pra dar tempo d’água ferver. Gastei mais outro tempo olhando o quarto. Sapatos pelo chão, cortina puída, um violão no canto. A cômoda ainda tinha as mesmas coisas. O abajur com a lâmpada queimada, fotos da família, um Sorine, uma pilha de livros. Mexi para ver o que ele estava lendo e encontrei um que eu havia dado ali. Saramago. Me deu uma embrulhada no estômago. Aquele tinha dedicatória. Não o abri, e devolvi para o meio da pilha.
– Carol? – ouvi me chamar da cozinha. Peguei minha bolsa e jaqueta e saí. Quando cheguei na cozinha o vi com a chaleira no fogo e o coador a postos.
– Acabou o pó.
– Tudo bem, não tem problema. Vou embora então. —E me dirigi à porta.
– Tem um resto na térmica que eu fiz ontem, não serve? — disse dando um sorriso sem graça enquanto segurava a porta para eu passar.
– Não. — Sorri de volta. Contemplei-o por um segundo antes de seguir para o elevador — Acho que é isso, né? Até mais, Pedro.
Não saiu nenhuma palavra da boca dele, mas os olhos diziam o que eu já sabia. Era o ponto final mesmo. Ninguém quer café frio.
Ana Clara Squilanti – escritora, café forte, sem açúcar
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Nó na garganta esse conto….
lindo!
belo estilo
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