Lembra da nossa série “Contos Cafeinados”?
Temos mais um conto fresquinho para vocês!
É romance que vocês querem?
É só pegar seu café e ótima leitura 😉
Na série “Contos Cafeinados” publicamos diversas histórias relacionadas à bebida que tanto amamos, o café, e quem conta a história é você!
O conto de hoje foi enviado pela Ana Paula Almeida de Mello.
A mancha de café
– Plaft! TUM!!!
A garota acordou desorientada com o barulho. A cadência de balanço do trem a convidara há alguns minutos para um cochilo gostoso, interrompido pelo estrondo de uma bagagem se chocando com a parede de aço. Ao olhar para trás, encontrou um rapaz alto e esguio, esboçando um sorriso constrangido e tentando apoiar a enorme caixa de violoncelo em alguma superfície menos instável.
Ela imediatamente percebeu um profundo azul turquesa ocupando pupilas discretamente estrábicas, em pequenas fendas palpebrais. O rapaz desviou o olhar, deixando a jovem brasileira desconfortável. A garota logo voltou a se acomodar na poltrona recostando a cabeça para voltar a dormir. O sono ainda a rondava, macio e sussurrado.
Quando encontrou novamente a posição perfeita, ela escutou novo baque, dessa vez um pouco mais baixo. Ao seu lado, apareceu a cabeça muito loira do músico, falando algo ininteligível. A brasileira deu de ombros, sorrindo e apontando para a boca:
– Donti espique inglês…
O rapaz não desistiu, posicionou-se do seu lado no corredor e colocou a mão no peito, como que tentando se desculpar. Um fofo! pensou ela, e fez um sinal de “ok” com a mão. Ele agradeceu com um meneio de cabeça.
O trem seguiu por mais uma hora, parando nas estações das pequenas vilas da Suíça, cada uma mais charmosa que a outra. Ao ver se aproximar o seu destino, a moça ficou afobada e se atrapalhou com os três volumes que ela tinha que carregar. Nesse momento, o rapaz se ofereceu para ajuda-la na sua saída.
Ao deixá-la na plataforma com a bagagem, ele parou e olhou para a garota com uma expressão estranha, e logo voltou para dentro do trem.
– Nossa, nem um tchau! Ela murmurou aborrecida.
Ao se virar, reconheceu um som familiar, de uma caixa batendo na parede do trem. O rapaz havia desembarcado, pedindo com a mão mais ou menos livre que ela esperasse. O violoncelo se equilibrava de um lado enquanto ele tentava encaixar a mochila nas costas.
A garota sentiu arrepios no corpo à medida que ele se aproximava. O músico apontou para um pequeno estabelecimento na plataforma do trem, parecia um Café. Ele a acomodou gentilmente na poltrona e foi buscar as bagagens, deixadas na porta do lugar. A moça pensou: Se fosse no Brasil… Então olhou para o seu “smartphone”, conferindo a hora da chegada. Ela tinha ainda tempo para um café.
Do balcão, ele caminhou até ela trazendo uma pequena xícara acompanhada com um copo de água. O aroma do café se misturou com o do lugar, misto de carvalho e desinfetante.
Ela esperou o rapaz trazer o dele, e pegou a porcelana quente. No primeiro gole, ela sentiu novamente um arrepio, enquanto olhavam um para o outro em silêncio. O café envolveu toda a sua percepção, entre doce e amargo, perfume e fumaça.
Ela disse um obrigada, em um tom muito baixo. Ele sorriu e colocou a mão por cima da dela. A garota virou a mão para retribuir. No momento só existia o café, o perfume, e aqueles olhos.
O telefone começou a vibrar. Era o aviso do translado que havia chegado, procurando-a. Ela não se moveu, continuou ali, de mãos dadas.
– Brasileiro sempre atrasa, eles sabem. Pensou alto, balançando a cabeça.
O músico percebeu e pediu algo para o atendente. Ela viu que era papel e caneta. O rapaz pegou o fundo da xícara dele e manchou o papel de café. No centro, deixou escrito em letras de fôrma o nome, a seguir um endereço de e-mail. Ela recebeu o papel e dobrou-o delicadamente, colocando na bolsa de tiracolo.
Ao levantar-se, resolveu dar-lhe um beijo na bochecha. Ele se levantou ao mesmo tempo e seus lábios se roçaram. Ele se inclinou oferecendo-se para carregar as malas, porém ela recusou com a mão de ”Pare”.
Ela saiu para a plataforma e começou a se distanciar dele quando ouviu um samba tocando. Ele se originava do celular do músico, parado em pé, em frente ao café. Ela cambaleou, indecisa. O aroma de café a convidava pra voltar, e aqueles olhos…
O rapaz, se sentindo confiante, deixou o celular tocando sobre a janela do lugar e retirou o violoncelo da caixa. As cordas começaram a vibrar desajeitadas, perseguindo o ritmo brasileiro. Ela começou a dar risadas, admirando-o tentar acompanhar o samba. Num movimento impensado, soltou todas as malas e correu até ele, abraçando músico e instrumento.
Ela sentiu descer uma lágrima. Enxugando-a, correu de volta ao seu caminho, arrastando as malas, não sem antes conferir se tinha ainda aquele papel manchado de café na bolsa. Ela não conseguiu achá-lo no meio da bagunça de batom, escova de cabelo e protetor solar, mas pôde perceber, com certeza, o agradável odor de papel molhado de café.
Ana Paula Almeida de Mello – médica ginecologista
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e aí depois de um tempo, quando ela saia do cinema e resolveu comer alguma coisa, sentiu o odor do papel molhado com café. “Farejou” por instinto e viu um cello próximo à sua mesa. O coração disparou, memórias chegaram, a ansiedade gritou: VIVA O CAFÉ!