A responsabilidade de cuidar da casa, e de preparar o café, durante muito tempo foi (e em muitos lugares ainda é) da mulher.
Nos anos 70, nos Estados Unidos, uma marca de cafeteira elétrica de gotejamento e filtro, a Mr. Coffee, mudou a relação dos homens com a preparação de café e apoiou
“um modesto aumento nas contribuições dos homens ao trabalho doméstico durante uma década na qual as mulheres de classe média estavam procurado cada vez mais emprego de período integral fora de casa”
conforme relata a pesquisa “Venda de Mr. Coffee: Desenho, Gênero, e a marca de um utensílio de cozinha” de Rebecca K. Shrum publicada pela Imprensa da Universidade de Chicago e noticiada pelo site Daily JStor.
Fonte: artigo de Rebecca K. Shrum – Robert Burain, bride with coffee percolator. (Harvard Art Museum/Fogg Museum, Transfer from the Carpenter Center for the Visual Arts, American Professional Photographers Collection, 4.2002.96; photo, Imaging Department © President and Fellows of Harvard College.)
A criação da máquina e seu contexto cultural
No início dos anos 70, Vincent Marotta tentou descobrir porque o café feito em casa não tinha um gosto tão bom como os cafés de restaurantes. Essa era uma questão importante no dia a dia das pessoas nos Estados Unidos.
Para você ter uma ideia, cliente e leitor, as mulheres estadunidenses foram altamente criticadas (e violentadas) por longos anos em diversas propagandas pelo “café ruim” que produziam com as antigas máquinas de percolação.
Anúncios como este da “Chase & Sanborn Coffee” em que um homem aparece batendo em sua esposa por ela ousar não preparar um café fresco eram bastante comuns.
E propagandas que mostravam homens falando “como uma esposa tão bela pode preparar um café tão ruim”.
Ou “Oh não! É o seu café de novo! O Sargento faz um café melhor que este”, lotavam os televisores.
Além de cartazes colocando a mulher “em seu devido lugar”, como das calças Dracon que diz “É bom ter uma mulher perto de casa”.
E o das gravatas Van Heusen que fala “Mostre para ela que o mundo é dos homens”.
O garoto-propaganda Joe DiMaggio e a masculinidade na cozinha
É neste caldo cultural machista e sexista que Marotta levou dois anos para criar, junto com seu amigo de escola Samuel Glazer, a primeira máquina dos Estados Unidos de preparação de café em casa, a Mr. Coffee.
Alguns anos mais tarde ele foi a procura de um garoto-propaganda e convidou o jogador de basebol do New York Yankees, Joe DiMaggio, que aceitou.
A escolha de DiMaggio, segundo Shrum, não foi por acaso. Ele tinha virado celebridade por ter o recorde (que ainda hoje é dele) de fazer pelo menos uma rebatida por diversos jogos consecutivos. A imagem do jogador recordista representava a confiança e segurança que a marca precisava para atingir seu público.
DiMaggio ajudou a introduzir nos lares estadunidenses essa nova forma de fazer café e acabou sendo um motivador para os homens prepararem seu próprio café.
Menos de um ano depois da Mr. Coffee ser introduzida no mercado, um anúncio no “Chicago Tribune” a promove como o presente de Dia dos Pais. “Acariciando o ego dos homens neste feriado, a manchete dizia: DAD (o perito)”, conta Shrum. “A masculinidade de Joe DiMaggio passa residir não apenas no produto, mas também no consumidor desse produto. O endosso de DiMaggio assegurou aos consumidores americanos que os homens poderiam entrar com segurança na cozinha e executar tarefas domésticas rotineiras… que poderiam assumir este novo papel…”, avalia.
Estes anúncios aumentaram a possibilidade de participação dos homens nas tarefas domésticas no exato momento em que muitas mulheres estavam saindo da esfera doméstica para entrar na força de trabalho pago. Em 1940, 24,3% da força de trabalho era composta por mulheres; em 1960, esse número subiu para 33,4% e em 1970 tinha alcançado 38,1%, atingindo em 1980, 42,5%.
Esta mudança foi refletida também no Brasil onde hoje, quase 50 anos depois, homens fazem seu próprio café (e realizam tarefas domésticas) e mulheres se empoderam e empreendem no mercado do café, como aqui no próprio Grão Gourmet, fundado e liderado por Renata Kurusu Gancev.
Abaixo você pode conferir as propagandas da época com o jogador de baseball Joe DiMaggio e a máquina de café da Mr. Coffee:
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Artigo completo (em inglês) “Venda de Mr. Coffee: Desenho, Gênero, e a marca de um utensílio de cozinha” de Rebecca K. Shrum
Fontes:
Carol Lemos – jornalista, mudou-se de São Paulo para Alto Paraíso, onde encontra inspiração para escrever e cuidar dos pequenos Uirá Alecrim e Dhyan Eté. Carol escreve semanalmente para o blog do Grão Gourmet. E-mail: carolinalcoimbra@gmail.com